
Telma

Luciane da Rosa Lengler
12 min de leitura
A força de um convite soprado ao vento para invocar a linhagem ancestral e a descendência e, ali, estabelecer a continuidade diante da partida da matriarca.
Quantas vezes, em nossa vida, somos guiados por uma intuição irresistível, que impõe uma necessidade de fazer ou dizer algo, agir de uma maneira irrefletida e até impulsiva, para o bem ou para o mal?
Os espíritos influem sobre nossos pensamentos e ações? Esta é a pergunta 459 do Livro dos Espíritos de Alan Kardek.
Incontáveis vezes acontece que, mesmo diante do mistério profundo de nossa alma e de suas razões, descartamos a comunicação com o divino e, futilmente, entregamos uma explicação banal para o que, talvez, fosse uma concreta canalização de bons ou maus espíritos a nos influenciar, dirigir nossos atos e, com sorte e pela graça divina, talvez nos presentear com uma oportunidade, como muitas das que relato aqui.
Para a questão 459, Alan Kardek explica assim: A esse respeito, sua influência é maior do que podes imaginar. Muitas vezes são eles que nos dirigem.
Para cada história que conto aqui, sempre houve um espírito a conduzir os afortunados e atentos aos seres de luz que, por saberem ouvir sua intuição, tiveram a ocasião de estabelecer esse diálogo com o divino e, por esse contato fortalecer a fé, renovar esperança, aliviar o luto...
Há tantas provas da generosidade dos bons amigos trabalhadores da espiritualidade, eles que sopram aos ouvidos atentos e conectados com a grandeza do amor de Deus algum conselho ou direção para que aquele exato momento não seja perdido por distração.
Essa história que vou contar aqui é precisamente sobre isso: sobre ouvir a intuição e aceitar os convites soprados ao ouvido ou apresentados em sonhos.
No meio de um dia normal de trabalho, na correria da rotina, a jovem ouviu, ouviu mesmo, o seguinte convite: vai passar a tarde com a tua avó.
Essa avó morava no litoral, há 150 km de distância. No entanto, a doce senhora merecia esse carinho, porque para além de todo o amor e cuidados que a mãe-da-mãe sempre entregara de forma abundante e generosa para a neta, também fora ela quem a incentivara a estudar e foi quem, pensando em fazer a vida de estudante mais fácil e produtiva, a presenteou com o primeiro computador.
Entre elas havia algo mais forte do que a normalmente poderosa ligação entre neta e avó, a forte conexão vinha do reconhecimento da jovem do valor da ancestralidade que, quando reconhecido e apreciado pelos mais moços, baliza escolhas, define o caráter, forma e fundamenta a autoestima e dá garra para enfrentar a vida de modo alegre, mas decidido, porque orienta o agir e se ampara em uma legião de mulheres que vieram, lutaram, construíram antes, muito antes...
Pensando nisso, lembro das bonequinhas russas, aquelas que guardam dentro de cada uma outra boneca, abre-se uma e se descobre que há outra e mais outra...
Não é lindo pensar que dentro de cada filha há uma mãe, uma avó, uma bisavó e assim para trás infinitamente? E que esse acúmulo de construções, aprendizados e conhecimentos estruturam e garantem a força para cada nova geração?
A prática da constelação familiar fala justamente desse sistema familiar, ao qual todos somos vinculados por laços sanguíneos e de amor, ambos eternos, mesmo que nunca pensemos na legião de pessoas que vieram antes de nós para que chegássemos à família que pertencemos hoje.
Pois bem, a neta, obedientemente, aceitou o convite soprado em seu ouvido sem questionar. E foi. Chegando lá, encontrou sua mãe, sua madrinha e a vó muito lampeira e feliz, rodeada pelas mulheres amadas de sua vida. Tomaram chimarrão, trocaram ideias, lembraram histórias, tudo muito despretensioso, mais um encontro.
Mas não, o convite soprado ao ouvido carregava um comando: era preciso formar uma egrégora feminina, que se completou com a chegada da neta, todas comandadas pela matriarca, para que a manifestação do sagrado feminino se estabelecesse ali e dali para a frente.
Não havia mais tempo. Era necessário, naquele dia, promover um rito de passagem, o primeiro, em que a comunhão de ideais e o amor fosse consagrado e solidificado entre essas mulheres e dali para a frente.
Ao cair da tarde, sem suspeitar do significado daquele encontro, a neta partiu com o coração leve e sentindo-se agradecida pela tarde de acolhimento e entrega.
À noite, já em sua casa, recebeu um telefonema da mãe que lhe contou que a vó, no mesmo lugar que estivera sentada, cheia de saúde e feliz, fechara os olhos e partira, sem que nada fosse possível fazer, durou apenas o instante de informar à filha que já não via mais nada.
Não enxergava mais o mundo físico, eu imagino, porque, feitas as despedidas, fortalecida na energia da constelação ali vivenciada, provavelmente, ela já estivesse com os olhos da alma abertos e receptivos para ver a passagem que se abria. Mulher forte e determinada que era, não deve ter demorado a encontrar o caminho.
Então, muito tempo depois, veio para a neta o segundo e definitivo rito de passagem. Desta vez o convite veio por sonho: dormindo em seu quarto de casal, em sonho a neta foi convidada a acompanhar alguém que a conduziu para outra dimensão.
Desta vez, ela não foi sozinha. O marido que dormia ao lado e também sonhava, a acompanhou. Os dois chegaram em um campo aberto, onde se via apenas umas ruínas mais à frente.
Embora tenham caminhado juntos até ali, ela pediu que ele a esperasse, que não ultrapassasse a entrada da ruína, pois sentiu que ele não tinha autorização de prosseguir com ela na experiência que se apresentava.
Ela seguiu o guia que a conduzia para dentro dessa ruína, onde acontecia um tipo de celebração, as pessoas como que dançavam, passando umas pelas outras, se tocando levemente, num ritual ou celebração muito bonito. Em completa paz, mas sabendo que havia um propósito para aquele convite, a neta seguiu buscando algo que ainda não sabia bem o que era.
Logo mais, ela avistou a avó, que lhe aparecia bem mais jovem, muito bonita e tranquila. Ela se aproximou e as duas fizeram o movimento que ela vira os outros fazerem, se circularam e se olharam dentro dos olhos e a vó tocou a sua mão, sem uma palavra. Paz. A avó entregou-lhe pelo olhar a paz, a melhor herança que se pode receber, a mais cara porque é tão buscada no mundo físico e tão pouco encontrada.
Em completa conexão de amorosidade e plenitude, ela foi conduzida para fora da celebração onde reencontrou o marido e ambos voltaram ao quarto de casal, para a cama de onde os corpos físicos nunca tinham saído.
De volta ao corpo, ela já chegou chorando muito, emoção pura e um turbilhão de sentimentos. O companheiro também estava acordado e, quando ela começou a contar porque chorava, ele a silenciou: “não precisa me contar, eu estava lá contigo”.
À medida que conversavam, eles concluíram que viram e sentiram as mesmas coisas, os dois vivenciaram o mesmo evento, os dois aceitaram o mesmo convite, foram à mesma festa no céu. Onde mais seria, se se depararam com uma ruína, portal do encontro?
Simbolicamente, as ruínas podem ser entendidas como portais que nos transportam para um outro mundo, um sítio ancestral, onde podemos ser testemunhas de algo remoto, forte, que transcendeu o tempo e resistiu.
Uma ruína antiga, com suas pedras, algumas caídas, outras firmemente sustentadas pelo conjunto forma um símbolo muito forte que dispensa interpretação, os arbustos que, teimosos, brotam entre as pedras, iluminados ora pelo sol ou pela lua, que entram e se espalham no interior sem obstáculos, tudo isso carrega uma simbologia tão forte que remete a um chamado para conexão com alguma narrativa mágica, que obriga a descobrir seu significado profundo e individual.
Saber que milhares de coisas aconteceram ali, detalhes, marcas, sinais antigos do passado, vivências, perdas, ganhos, tudo está ali, diante dos olhos, porém invisíveis, esperando para significar para cada observador o que este, necessariamente, precisa desvendar.
A ruína, escolhida pela espiritualidade para ser o portal deste encontro entre avó e neta é de uma simbologia tão sagrada e profunda que precisaria do trabalho de um livro inteiro, tão intenso e tão cheio de significados.
Porém, para essa neta que, levada pela mão do companheiro ao encontro da avó, que a olha nos olhos, toca-lhe a mão, devolvendo-a ao amado que a acompanha pela vida e a seguiu até ali e dali retornam juntos, tendo compartilhado essa magia, se revela como o segundo rito de passagem, como uma cerimônia que informa à neta que agora ela é a guardiã da ancestralidade desta egrégora formada por centenas de gerações e firmada no último encontro físico, como a dizer: agora tu vais ter que cuidar bem da energia feminina criadora e transformadora que te compete.
Agora é contigo, ouve os bons espíritos, deixa que te guiem como te dirigiram até a casa da avó para a despedida e depois à ruína para a passagem de comando, mas jamais vá sozinha, leva junto teus amores para que sejam também testemunhas desse compromisso que não será para sempre teu, outras virão e terás que, no momento certo, entregar o sagrado poder dessa ancestralidade que competirá, neste momento, à tua descendência e assim por diante.
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